The Godfather – Vida e Obra de Marlon Brando

Hoje, dia 1 de Julho, assinalam-se os doze anos da morte de Marlon Brando, um dos mais talentosos e míticos actores do cinema norte-americano e mundial e uma das maiores personalidades do Século XX. Foi a 1 de Julho de 2004 que Brando nos deixou e é a 1 de Julho de 2016 que, o Ideias e Opiniões recorda a notável carreira desta imortal figura da arte e cultura mundial. Antes de começar, convido-o a ouvir parte da banda sonora de The Godfather, enquanto lê o texto sobre o homem que encarnou o mafioso mais conhecido do mundo.

Foi no Estado do Nebraska, mais precisamente em Ohama, que nasceu a lenda. Era dia 3 de Abril de 1924. Filho de um pai com o mesmo nome e da mãe Dorothy Julia, Marlon tinha ainda duas irmãs mais velhas e a sua infância esteve longe de ser fácil. Era conhecida a dependência que, tanto a mãe como o pai de Marlon, tinham com o álcool e a tristeza que causavam ao filho. Tristeza essa, que aliás, foi confirmada na autobiografia lançada dez anos antes da sua morte, intitulada “Canções que a Minha Mãe me Ensinou”.

Uma das raras fotografias de Marlon Brando em criança.
Uma das raras fotografias de Marlon Brando em criança.

Como se não bastasse a dependência dos pais, estes ainda se divorciaram quando Marlon tinha apenas 11 anos de idade. Marlon mudou-se juntamente com a mãe e com as irmãs, viveu com a sua avó e mais tarde os seus pais reconciliaram-se, voltando a viver todos juntos. Na mesma autobiografia, Marlon Brando confirmou a difícil relação que tinha com o pai e contou também que este nunca lhe vira grande futuro e que até era habitual dizer-lhe que não “iria alcançar nada”. Oh, como estava enganado o seu pai.

A infância de Marlon Brando esteve longe de ser fácil. A expulsão da escola onde andava, por conduzir uma mota nos corredores ou o precoce ingresso na Academia Militar, contam-se como algumas das suas peripécias. No entanto, havia um talento em Marlon que se fazia notar desde tenra idade: O talento de representar. O jovem rapaz gostava bastante de imitar os seus amigos de infância e de reproduzir fielmente os seus maneirismos. Na quinta onde vivia também era frequente imitar os animais. Já se notava o seu gosto pela representação.

Contudo, seria a profissão da mãe a ter a maior influência na carreira de Marlon Brando. A senhora Dorothy era administradora do teatro local e também actriz. Esteve ligada ao inicio de carreira de outra grande estrela do cinema do Século XX, Henry Fonda e ao ingresso da sua filha e irmã de Marlon, Jocelyn Brando, no mundo da representação. Se é inquestionável que Henry foi um actor com uma carreira notável, podemos adivinhar que Jocelyn não foi assim tão bem sucedida, mesmo que tenha participado em peças da Broadway, em filmes ou em programas de televisão. Essa parte do sucesso ficou destinada ao irmão.

O que tornou Marlon Brando tão bom? O que o fez tornar-se melhor que os restantes? Bem, primeiro que tudo um dom natural para a representação. Dom esse, aperfeiçoado através dos estudos na American Theatre Wing Professional School na vertente mais dramática da representação, com influência de um director europeu, de seu nome Erwin Piscator. Segundo, a capacidade de transportar para o grande ecrã, toda a emotividade associada à representação do teatro e ser um dos pioneiros a fazê-lo. Terceiro, ter sido aluno da actriz e professora de representação, Stella Adler e de com ela ter aprendido as técnicas do Sistema Stanislavsky, que levou consigo para todos filmes onde participou.

O Sistema Stanislavsky foi o nome dado ao conjunto de técnicas criadas pelo realizador russo Konstation Stanislavsky, para que os seus actores melhorassem as suas performances e criassem caracterizações credíveis, tendo como base a memória emocional e a concentração interna, que levava os mesmos a interiorizarem as personagens que assumiam em palco. Marlon Brando aprendeu (e apreendeu) essas técnicas e foi um prógono da sua transposição para o cinema. Daí ter sido tão bem sucedido.

A rebeldia que mostrava ter dentro de si em criança, nunca o deixou enquanto adulto. Estava associado a comportamentos errados e insubordinava-se, com alguma frequência, sobre os seus superiores, levando-o a ser afastado de algumas peças, apesar do seu enorme talento. Em 1944, chegou finalmente à Broadway mas, aquando da audição para uma importante personagem, representou sem recurso a qualquer método pré-estabelecido e ficou sem o papel. Viria a fazer parte da peça Truckline Café, uma peça que esteve pouco tempo em cena e que se tornou um verdadeiro fiasco comercial. No entanto, apesar da peça não ter sido bem sucedida, o desempenho de Marlon Brando não passou despercebido aos mais entendidos no assunto. Foi tão bom que lhe valeu a consagração como “O Jovem Actor Mais Promissor”, nos The New York Drama Critics Awards.

Depois desse reconhecimento e ao longo da década de 40, várias participações em peças de da Broadway se seguiram para Marlon Brando. Só em 1946, Marlon esteve ligado a duas importantes peças, A Flag is Born, uma peça sobre a criação do Estado de Israel em território Palestiniano, em que Brando assumiu o papel de um sobrevivente do Holocausto e ainda Candida, uma adaptação do conhecido texto de comédia do final do Século XIX, escrito por George B. Shaw, que conta a história de um poeta, Eugene Marchbanks (na peça interpretado por Marlon Brando), que tenta conquistar uma mulher casada, Candida.

Ainda durante a sua carreira nos espectáculos de teatro, foram sendo conhecidas a suas incompatibilidades com encenadores e dramaturgos ou companheiros de profissão, (caso de Tallulah Bankhead), por se recusar a fazer audições com recurso a métodos pré-estabelecidos, por se aplicar pouco nas peças ou por simplesmente recusar papéis que não eram do seu agrado. Em 1947, ao fim de algumas encenações ficou sem o seu papel em The Eagle Has Two Heads, onde contracenava com Tallulah Bankhead. Tallulah chegou a admitir mais tarde que os seus feitios chocavam, mas que apesar de tudo via um imenso potencial no jovem Brando.

Ao ser despedido de The Eagle Has Two Heads, Marlon Brando ficou com disponibilidade para aceitar o papel de Stanley Kowalski em A Streetcar Named Desire, uma peça do dramaturgo Tennesseee Williams e dirigida por Elia Kazan. O mais curioso é que o papel foi oferecido a Marlon Brando por recomendação de Tallulah Bankhead, com a qual Marlon Brando tinha alguma hostilidade. Como se pode adivinhar, Marlon Brando foi brilhante e a peça foi um sucesso. Venceu o Prémio Pullitzer para Melhor Drama em 1948 e é hoje considerada uma das melhores peças do Século XX. Entretanto, Marlon Brando estava pronto para dar o salto para o grande ecrã.

Marlon Brando ao lado de Vivien Leigh na adaptação de A Street Car Named Desire (1951) ao cinema.
Marlon Brando ao lado de Vivien Leigh, na adaptação de A Street Car Named Desire (1951) ao cinema.

A estreia no cinema aconteceu em 1950, com o filme The Men. Marlon Brando interpretou o papel de Ken, um veterano de guerra paraplégico e para se preparar terá estado cerca de um mês no hospital em Los Angeles de modo a interiorizar a sua nova personagem. Um ano depois estava a levar para o cinema, o seu papel de Stanley Kowalski em A Streetcar Named Desire, e tornava-se assim um dos actores mais apreciados de Hollywood. Conseguia também a sua primeira de oito nomeações aos Óscares da Academia. Em 1951, estava de novo nomeado com o papel do revolucionário mexicano Zapata em Viva Zapata! E no ano seguinte participava em mais um filme altamente aclamado pela crítica, Julius Caesar, retratando o cônsul Marco António, conseguindo, espante-se, mais uma nomeação para melhor actor.

Todos estes foram filmes bastante bons. Filmes que Marlon Brando abrilhantou com as suas performances. No entanto, pode considerar-se o drama On The Waterfront (1954), como a primeira obra-prima protagonizada por Marlon Brando. O filme realizado por Elia Kazan arrecadou oito estatuetas douradas, uma delas para Melhor Actor graças ao papel de mercenário feito por Marlon Brando. A crítica e o público estavam rendidos ao seu talento. Para as mulheres era um sex symbol e para qualquer realizador era garantia de receitas elevadas.

Marlon Brando na sua primeira obra-prima, On The Waterfront (1954).
Marlon Brando na sua primeira obra-prima, On The Waterfront (1954).

A primeira metade da década foi um verdadeiro sucesso para Marlon, contudo a segunda não foi tão positiva para o jovem actor. A interpretação de Napoleão Bonaparte no filme Desirée (1955) ficou aquém das capacidades de Marlon, que mais tarde meteu as culpas no fraco guião do filme. Marlon voltaria a ser criticado no seu seguinte filme, o musical Guys and Dolls (1955), onde contracenou com outra estrela de Hollywood da época, o inigualável Frank Sinatra. A capacidade de Marlon Brando para representar era enorme, ao contrário do seu jeito para cantar. A incapacidade de acertar com as notas e a dificuldade em fazer os takes em poucas tentativas levaram Frank Sinatra a considerar Marlon Brando “o actor mais sobrevalorizado do mundo”. Talvez por isso este tenha sido o primeiro e último musical, em que o actor participou.

Deixado de lado o género musical, foi hora de voltar aos géneros mais convencionais para aquilo que era o seu estilo de representar. The Teahouse of The August Moon (1956) e Sayonara (1957) foram os filmes que se seguiram. Ambos com uma certa ligação à cultura japonesa. Este último valeu a Marlon Brando mais uma nomeação nos Óscares. Soube-se também que o nome do filme era uma despedida para a falecida mãe de Brando, cuja morte o afectara profundamente. “Sayonara” é a palavra japonesa para “adeus”. Não um “adeus, até amanhã” mas um “adeus”, que prevê um longo período sem se ver a pessoa de quem se despede, quem emprega tal expressão.

Durante o final da década, Marlon Brando teve ainda participação em mais dois filmes: The Young Lions (1958) onde se tornou num general alemão durante a Segunda Guerra Mundial e The Fugitive Kind (1960). Em 1961, Marlon estreou-se na realização no western One-Eyed Jack, um filme cuja realização chegou a estar atribuída a um peso pesado, Stanley Kubrick. A inexperiência de Marlon Brando traduziu-se no atraso da produção, no aumento dos custos de produção e em fracas críticas ao filme. Agudizava-se assim a relação de Marlon Brando com a indústria, numa década de flops para o magistral actor.

Os anos 60 foram para esquecer. Vários filmes, vários fracassos. Os fãs começaram a acusar Marlon de ir apenas atrás do dinheiro, aceitando fazer filmes fracos e de desempenhar papéis sem grande entrega. Ao ver Bedtime Story (1964) ou The Night of the Following Day (1969) não posso deixar de concordar com os mais críticos. Felizmente que os anos 70 estavam a chegar e com eles vieram as colaborações com Francis Ford Coppola.

É difícil não imaginar Don Vito Corleone quando se fala em Marlon Brando. O papel do "pai" da máfia é o mais conhecido do actor.
É difícil não imaginar Don Vito Corleone quando se fala em Marlon Brando. O papel do “pai” da máfia é o mais conhecido do actor.

O talento de Marlon, mostrado nos anos 50, tinha conquistado Hollywood. No entanto, os anos 60 ficaram aquém dum artista com tamanhas capacidades. Começa a questionar-se a  sua carreira. A adaptação feita ao cinema por Coppola ao livro The Godfather de Mario Puzo iria marcar a carreira de Marlon Brando para sempre. E a do cinema norte-americano também, diga-se. The Godfather (1972) foi um sucesso a todos os níveis. Um filme muito à frente do seu tempo, que roçou a perfeição e cujo único defeito que lhe podemos apontar é o de glorificar a máfia. No papel do chefe de família Don Vito Corleone, Marlon Brando encantou. Vito Corleone tornou-se num dos papéis mais icónicos da história do cinema mundial e Brando arrecadou, sem surpresas, o Óscar de Melhor Actor.

Ainda no mesmo ano, Marlon Brando trabalhou com outro realizador de origens italianas para além de Coppola: Bernardo Bertolucci. Com ele fez Ultimo tango a Parigi (1972) onde voltou a mostrar todas as suas capacidades de representação, num papel de um homem viúvo que começa a ter relações sexuais com uma jovem parisiense. O seu papel valeu-lhe mais uma indicação, (a sétima da carreira), para o Óscar de Melhor Actor na cerimónia de 1974. No entanto, Marlon Brando não esteve sequer presente na cerimónia.

Seguiram-se mais alguns trabalhos entre os quais Superman (1978), onde incorporou Jor-El, certamente uma das personagens mais marcantes da sua carreira. No ano seguinte, viria a sua grande última personagem em mais uma colaboração com Francis Ford Coppola depois de The Godfather. Apocalypse Now (1979) é um filme duro e cru, que retrata a terrível Guerra do Vietname e a jornada do Capitão Willard (Martin Sheen) pelo Coronel Kurtz (Marlon Brando). Nesta obra-prima de Francis Ford Coppola, Marlon Brando aparece apenas nos últimos 30 minutos de filme, mas não deixa de ser verdadeiramente fantástico o ar vazio e tresloucado, que empresta à personagem no pouco tempo que aparece. Talvez por isso tenha alcançado mais uma nomeação nos Óscares. A última da sua carreira.

O papel do temível Coronel Kurtz (em Apocalypse Now) valeu a Marlon Brando a sua oitava e última nomeação para o Óscar de Melhor Actor.
O papel do temível Coronel Kurtz (em Apocalypse Now), valeu a Marlon Brando a sua oitava e última nomeação para o Óscar de Melhor Actor.

Nos anos 80, Marlon Brando retirou-se da representação, voltando a fazer filmes mais tarde e ocasionalmente, sem nunca ter o grande protagonismo de outros tempos. O último filme em que participou foi The Score (2001), ao lado de Robert De Niro, o mesmo actor que interpretou a sua personagem, Don Vito Corleone, na sequela de The Godfather, The Godfather Part II (1974).

Os últimos anos de vida de Marlon Brando foram marcados por vários problemas de saúde. Excesso de peso, diabetes e pneumonia foram algumas das complicações que o actor teve de enfrentar. A 1 de Julho de 2004, há precisamente 12 anos atrás, e com 80 anos de idade, Marlon Brando deixava este mundo devido a uma falha respiratória. Para trás ficavam 16 filhos e mais de 30 netos, fruto das suas variadas relações e casamentos. Ficava também para trás, uma longa carreira, com os seus altos e baixos, que nem por isso deixou de ser brilhante. Talvez por essa razão, haja muita gente que considere Marlon Brando “o melhor actor de sempre”. O nosso eterno Godfather!