Troika: o exemplo grego

Boa iniciativa esta do ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, de partilhar publicamente o discurso que fez no Eurogrupo. Se dúvidas havia, estão esclarecidas: o governo grego quer continuar o ajustamento, mas não pela mesma forma que a troika exige, pois a experiência já demonstrou que não funciona.

Recordar-se-ão aqueles que lêem os meus textos há já algum tempo – e peço desculpa a esses leitores por os estar a maçar com repetições – que sempre disse que os tecnocratas do Fundo Monetário Europeu (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) não sabiam o que faziam quando elaboraram o plano de ajustamento. E porquê? Porque eles são técnicos, não são políticos. E dirão “sim, mas eles tinham reuniões regulares com os governantes”. Certo, mas sempre com o aquela ideia no horizonte de “ou seguem as instruções dadas, ou não recebem”. Que é o que o FMI continua a querer fazer na Grécia, mas o novo governo grego não aceita.

Recordam-se certamente da resposta dos técnicos do FMI quando o plano que desenharam para Portugal fez com que o desemprego subisse exponencialmente: “não prevíamos que o desemprego subisse tanto”. Pois claro que não. Eles não têm em conta as consequências sociais das suas indicações aos governos. Assim como não previram que as suas politicas de austeridade tivessem como consequência mais despedimentos, mais despesa com prestações sociais e a fuga da população activa – aquela que, com os impostos sobre o seu trabalho, contribui para a segurança social – para o estrangeiro.

Voltando ao caso grego, a troika diz que a Grécia tem de cortar mais nas pensões, pois ainda não diminuiu o seu peso no PIB. E Varoufakis diz não, porque se cortar mais nas pensões, vai estar a cortar nas famílias cuja maior parte do agregado familiar está desempregado e sobrevivem apenas com a pensão do avô ou da avô. E porque a Grécia já cortou 40% nas pensões e, se a percentagem no PIB se mantêm alta, é porque as politicas de austeridade levaram, como noutros países, ao aumento do desemprego, à fuga dos jovens para o estrangeiro e à consequente queda do PIB. Continuando a ideia começada no final do parágrafo anterior, quando a população em idade para trabalhar (activa) sai do país e/ou perde o seu posto de trabalho, é certo que o sistema de segurança social não só vai receber menos, como vai pagar mais em prestações sociais, que permitam a sobrevivência de quem não tem outra fonte de subsistência. E, para além de não pagar impostos (sobre o trabalho), quando quem pode trabalhar não tem trabalho ou sai do país, não pode contribuir para criação de riqueza no seu país,  não tem poder de compra. A economia entra, necessariamente, em recessão.

Mas, apesar disto, o governo grego diz que o ajustamento é preciso, mas atacando a corrupção e o trabalho não declarado, desde logo. E conta com a ajuda da OCDE e da OIT nessa tarefa. E depois com a celebração de um empréstimo junto do Mecanismo Europeu de Estabilidade, de forma a poderem comprar 27 mil milhões de euros em obrigações gregas detidas pelo BCE, a Grécia volta a estar incluída no programa de compra de dívida pública no mercado secundário pelo mesmo banco central. Dessa forma, o governo de Atenas espera reequilibrar as contas, sem necessitar de mais tranches da troika. Varoufakis propõe ainda que seja criada uma conta especial unicamente para o pagamento ao FMI, um conselho fiscal que supervisione o orçamento e uma autoridade tributária e aduaneira sobre a alçada e supervisão do parlamento, para além de um programa sustentado de privatizações e reformas de fundo.

Não vou maçar mais o caríssimo leitor com pormenores, pois pode ler a comunicação na integra nos vários órgãos de comunicação social que a transcreveram. Dizer apenas que a ideia com que fiquei é que o governo helénico quer efectivamente resolver a crise do seu país, mas ao mesmo tempo fazer ver às instituições europeias e credoras que com este modelo não dá. A conta é fácil de fazer: as medidas da troika originaram a queda vertiginosa (e ainda continua a descer) do PIB, o aumento do desemprego (para 27%), o aumento do trabalho não declarado (34%), o aumento da dívida (já vai em 180% do PIB), saída em massa dos jovens e aumento exponencial da pobreza extrema. A troika prejudicou gravemente o país, em vez de o ajudar.
E foram os gregos que elegeram este governo para os salvar do declínio que os anteriores governos (da mesma familia politica europeia de PSD, CDS e PS) e a troika os estavam a encaminhar há muito tempo. E é isso mesmo que este governo está a fazer, contra um Eurogrupo habituado a mandar “fazer e calar” e pouco habituado a que alguém lhe faça frente. Esse alguém chama-se Grécia. Espero que siga de exemplo aos outros países.

Crónica de João Cerveira

Este autor escreve em português, logo não adoptou o novo (des)acordo ortográfico