Uma espécie de ti

Estremecem os sentimentos. De nada importa este barulho ensurdecedor. Tenho a boca encerrada, o coração perdido, e a noite é apenas um boato por acontecer. Trepidam as mãos. Os dedos feitos de nada.

Sinto uma espécie de medo. Um ardor pouco calculado, de estar sozinho. A saudade adormece, aqui, peito feito, a meu lado. A respiração é leve, quase inaudível. E uma lembrança silenciada tem a força de mil cavalos. Tornaste-te um episódio sem título. Algo que surgiu, e imergiu de rompante.

O brilhantismo de todas as cores. A ausência consolidada do teu corpo. Por onde cai esta escrita envolvente, determinada. A extremidade das tuas asas, assim como o percorrer dos caminhos sombrios. Que é esta falta de ti, de sempre.

A paixão é o desespero do amor. Esta é a mão que escreve a folha em branco. A mesma que acalma o olhar. O teu. Beija-me os braços. Descreve-me com brandas palavras. Inunda-me de frases inacabadas. A garganta. E o coração arranhado e desgastado. De ti. Do alto da lua. A noite e as nuvens. A paixão é o desespero do amor. A idade que suspiro. É a estação que termina a desarrumação. Feroz corredor de sangue e escárnio. És o corpo que me sufoca. És céu infinito. És mar a perder de vista. És estrela que brilha durante o dia. Todos os dias.

O medo. Assemelho-me ao medo. Visita-me antes que os meus olhos envelheçam. Visita-me enquanto as minhas palavras forem para ti. Visita-me enquanto os meus beijos pedirem os teus. Visita-me enquanto os meus abraços solicitarem o teu mundo. Deixar-te é ignorar o poema. Numa vertigem imensa de versos.

Imagino-te longínqua e esquecida. Algures, deserto metido em cárcere, por lugares extintos. No entanto desenvolve em mim a proximidade esquiva da paixão. A iminência das datas mesmas. Os lugares mesmos.

A omissão das ruas, designações, pracetas, e tudo visível. O alto que passa, e sigo. Cesso o choro. Mantenho-me cego. A estrada parece grande, e, ao contrário da lógica, não rogo nada. A lástima é suficiente, porque enquanto os meus ossos pedirem pena, considero-te aqui; dentro de mim. O sabor do antigamente.