Uma história de terror em pleno trânsito lisboeta…

Olá, caríssimo leitor. Hoje decidi trazer até si, uma verosímil história de terror a que tive o desprazer de presenciar. Sente-se bem na cadeira, e encoste bem as costas. Já está? Como? Esqueceu-se dos óculos? Vá, vá lá buscar o raio dos óculos que eu espero um pouco. Já está? Pronto… Como? Enganou-se nos óculos e trouxe os óculos da sua avó em vez dos seus? Eh pá, vá lá buscar os seus óculos então, que eu espero mais um pouco. Já está? Como? Agora enganou-se e trouxe os óculos do seu avô?! Eh pá, lamento, mas isto já está a passar dos limites! Agora já não espero mais e vou avançar para a história. Vá lá buscar os óculos correctos e quando voltar basta fazer scroll+up e assim voltar ao inicio da história…

Num dos meus normais dias de trabalho, tenho de suportar o raça do delirante trânsito lisboeta. Mais do que simples filas de carros, o trânsito matinal em Lisboa é sinónimo de um “ajuntamento de malta psicótica”. As pessoas de manhã, com a aflição de chegarem a horas aos seus empregos, são capazes das maiores proezas de condução, ou simplesmente das maiores burrices de todo o tamanho que, por vezes, até pode custar-lhes as próprias vidas…

Estava eu sossegado parado numa fila de trânsito, quando pela minha direita surge um típico chico-esperto que se coloca à minha frente na fila, tentando galgar mais alguns lugares. Provavelmente derivado do sono, a minha reação foi muito simples: marimbar-me completamente para a situação. A besta nem se atreveu sequer a agradecer o facto de lhe ter dado passagem, mas é o pão nosso de cada dia: 90% por cento dos condutores lisboetas, são umas bestas.

Nisto, surge igualmente pela direita, um outro condutor (que vou intitular de besta  número 2) que se coloca à minha frente e imediatamente atrás da besta anterior referida (que, neste caso, será a besta número 1). E eu? Eu tudo bem. Nem ai, nem ui… “Deixai-os andar, os stressados…”, lembro-me de ter pensado na altura. De súbito, a fila começa a andar, e a besta número 1 não anda com o carro. Provavelmente, estava “atarefado” a enviar uma SMS, ou a actualizar a timeline do Facebook. A besta número 2 decide usar o método normal para quem está numa fila de trânsito em Lisboa: apitar que nem um doido varrido. A besta número 1 não gosta e não arranca com o carro, o que levou a besta número 2 a ultrapassá-lo pela direita deixado no ar um misto de cheiros a borracha queimada e fumo de escape. E foi aqui que tudo descambou…

A besta número 1 não apreciou aquela atitude e dispara com o carro em direcção ao outro carro, colocando-se ao lado dele para então se dar início a uma troca acentuada de palavrões. Palavrões esses que tenho de destacar a falta de originalidade, visto que não passavam de banais impropérios sem criatividade nenhuma. Realmente, tenho de reconhecer que o stress, por vezes, ofusca a criatividade às pessoas.

A dada altura, a besta número 2 decide engrenar a marcha-atrás, e recuar uns bons metros, ficando praticamente ao meu lado. Sai do carro, e continua a dirigir repetidos impropérios ao outro condutor, não fugindo muito à falta de criatividade no que toca à elaboração de impropérios. Se o meu coração já estava aos pulos de curiosidade por estar a assistir àquele espectáculo mesquinho, eis que, o que se passou a seguir, deixou-o a saltar como se fosse um pequeno canguru, e estivesse dentro da bolsa da sua progenitora, enquanto ela saltitava que nem uma perdida.

A besta número 1 engrena igualmente a marcha-atrás mas, para surpresa minha e do resto de todos os curiosos que por ali se encontravam, tenta atropelar o seu rival de quezília. Num acto de excelentes reflexos, a besta número 2 salta para detrás do seu carro, e escapa por pouco ao atropelamento, mostrado-se mais ágil a fugir de carros que o tentam atropelar do que a elaborar impropérios para serem usados em pequenas quezílias de trânsito. Visto que se encontrava atrás do seu carro, a besta número 2 decide abrir o porta-bagagens, e retirar de lá um objecto metálico que brilhava com o toque dos raios de sol. E eu pensei: “Oh, meu Deus! É uma arma! Ainda levo aqui um tiro, sem ter nada a ver com esta situação bizarra!” Desato aos berros para os outros condutores que por ali se encontravam concentrados a assistir a toda aquela situação – só faltando um pacote de pipocas e uma coca-cola, para se equiparar a se estar numa sala de cinema a assistir a um filme de acção rasca –, para que fugissem dali para fora. Começo a apitar, aflito para desaparecer dali e para me livrar de ser atingido por um balázio perdido (porque nunca se sabe se a besta número 2 tinha algum tipo de experiência a manejar uma arma), quando constato que se tratava apenas de uma chave de rodas.

A besta número 1 encontrava-se parado de frente para a besta número 2, dando pequenas acelerações, no sentido de o provocar a colocar-se à frente do seu carro para o atropelar. E foi exactamente o que a besta número 2 fez, atingindo com extrema violência o capô do carro, com a chave de rodas, ao mesmo tempo que evitava ser atropelado. Nesta louca manobra, a besta número 1 abalroa 3 viaturas que se encontravam mesmo ao meu lado, levando-me a ter quase um ataque cardíaco. A besta número 2 aproveita a confusão criada com os condutores cujos veículos foram abalroados, entra no carro e desata a fugir! Mas a besta número 1 estava atenta e foi imediatamente em perseguição conseguindo, através de várias manobras dignas de um filme de acção, interceptar a besta número 2, atravessando o carro à sua frente, originando a que os dois embatessem violentamente. Saem dos respectivos carros e colocam-se à bulha. A sorte da besta número 1 era ser careca, porque a forma de andar à bulha da besta número 2 certamente resultaria em agarrar-lhe os cabelos, e puxá-los violentamente.

Nisto a fila avança e vejo-me de novo perto da cena de acção, a lamentar por não conseguir sair dali. De repente começo a ouvir gritos, e apercebo-me que são as pessoas que por ali se encontram, a tentar avisar a besta número 2 que não travou o carro, e que, por esse mesmo motivo, o mesmo se começa afastar em marcha-atrás em direcção a outros carros… O que, obviamente, um desses carros tinha de ser o meu… Olho simultaneamente para trás e para frente e apercebo-me que estou encurralado e que vou, literalmente, “levar” com o carro da besta número 2 em cima… Fecho os olhos, preparando-me para o embate, quando ouço os berros da besta número 2 a correr pela estrada afora, numa tentativa desenfreada de conseguir travar o carro. E conseguiu… Graças a Deus, ele conseguiu travar o carro a um metro e meio do meu carro…

Nisto pensei “Ufa, este pesadelo acabou!”, e desato a apitar para as pessoas da frente colocarem-se em marcha, para que conseguisse fugir dali para fora… Mas o cenário de filme de acção deixava as pessoas completamente hipnotizadas. Desesperado, enchi os pulmões de ar e gritei “EU TENHO UMA ARMA! SE NÃO ANDAM COM OS CARROS, EU DESATO AOS TIROS! EU MATO-VOS A TODOS!” numa clara tentativa de assustar as pessoas para que saíssem dali a correr, enquanto a besta numero 1 e a besta número 2 já andavam envolvidos em cenas de pura pancadaria com os outros condutores cujas viaturas tinham sido abalroadas.

Nisto, os carros começam todos a andar e eu penso que fui bem sucedido, ao incorporar o estereótipo do psicótico que tem uma arma e que quer matar todo o ser vivo que respire. Mas não: foi apenas um carro da polícia que tinha acabado de chegar, levando as pessoas a fugirem dali, porque ninguém queria vir a ser, futuramente, uma válida testemunha a depor em tribunal sobre o que se tinha passado entre a besta número 1, a besta número 2 e os condutores dos 3 carros que foram abalroados pelo carro da besta número 1.

E eu fugi… Fugi a sete pés, com medo que a polícia tivesse ouvido um psicótico a gritar de dentro de um carro, que tinha uma pistola e que ia matar toda a gente se não se colocassem a andar dali para fora…

Até para a semana, malta catita…

 


RicardoEspadaLogoCrónica de Ricardo Espada
Graças a Dois
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